Maria José Rijo
Não sou princípio - Nem fim! -Sou um ponto no caminho- Daquela linha partida- Que vinha de Deus para mim!
Olhar e entender
Jornal Linhas de Elvas
Nº 1.997 – 30 de Junho de 1989
A La Minute
OLHAR E ENTENDER
Desconheço se é possível inventariar o número de dados que a mente humana armazena ao longo da vida.
Uma coisa, porém, na memória, me deslumbra: é o espectro caleidoscópico que se desenvolve por vezes, em torno de um simples olhar de acaso, que, acordando lembranças, traz de volta vozes, cores e imagens perdidas do saber consciente.
Vi numa freguesia, um beiral de uma escola apinhado de ninhos de andorinhas.
Olhava-os, escutando as queixas do que sujam e mais não sei quantos “catastróficos” males que causam.
Olhava-os, e louvava os homens por ainda haver edifícios públicos que possam suportar “tantas famílias de alados inquilinos” sem dinheiro para comprar paredes de suporte para as suas frágeis habitações.
Olhava-os, e louvava a Deus, por esses homens, e pela Sua infinita sabedoria em guardar as asas para as oferecer às negras andorinhas que deixam menos mancha na roupa do que a intolerância dos homens nas almas.
Olhava-os, e pensava que tudo na vida tem o seu avesso e até as rosas coroam troncos com espinhos.
Olhava-os, e via-me criança de escola, assistindo em cada dia à “cerimónia”, várias vezes repetida, de limpeza dos parapeitos das janelas da nossa casa.
Olhava-os e parecia-me escutar a minha Avó entrar no quarto de manhã cedinho, abrir a vidraça e dizer com alegria:
Toca a levantar!
Ainda a dormir, que vergonha!
Escutem as andorinhas o que já fizeram, e, fingindo interpretar os seus chilreios cantarolava:
“Fui à missa, vim da missa, lavei a casa e estou aqui… quiri-qui-qui…”.
Olhava-as e lembrava os belos olhos azuis de meu Pai, repassados de terna intenção, ensinando um poema que repetia de cor:
“Sabeis o que é um ninho,
Esse ditoso lar
Onde a ventura mora em
Noites de luar
Onde a brisa suspira e canta a
Cotovia… etc… etc…”
E que rematava assim:
“Não? – não sabeis? – Pois bem!
Juntai toda a ventura do vosso lar ditoso,
Os beijos, a ternura de uma extremosa Mãe,
Os cuidados de um Pai,
Um doce olhar de Avó,
Vaidoso no carinho,
E ficareis sabendo a que se
Chama um ninho.”
Não sei quem é o autor do poema. Não me recordo, mas hei-de investigar – porém, lembro-me, lembro-me perfeitamente, que aprendi ainda na escola a entender o que é um ninho.
Maria José Rijo
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2 comentários
De eva a 16.09.2012 às 22:51
Recordar coisas boas é viver naquela margem de águas calmas e cristalinas que nos permite um certo encanto de histórias infantis, um indefinível quase nada (mas que existe em quase tudo) que nos envolve num sentimento de amor com a vida.
Um beijinho grande
De maria José a 24.09.2012 às 13:12
As suas visitas têm sempre um encanto especial.
Não a conheço,infelizmente, mas sinto-a sempre como acontecia aquelas amigas antigas, quero dizer, de sempre, que chegavam a casa de meus Pais e, fazianm a festa dos nossos corações .
As suas presenças irradiavam paz, compreensão e confortavam-nos por qualquer sentimento indefinivel que gerava confiança.
Mesmo quando "tardavam"sabiamos que eram porto seguro.
Obrigada por me oferecer este reencontro com esse sentimento bom.
Obrigada por ser minha Amiga e obrigada pelo ensinamento disponibilizado de forma tão delicada.
Um abraço grande e grato desta velhota que vive,revivendo o amor que a vida lhe tem proporcionado e, de que se vai alimentando
Saudades Maria José