Maria José Rijo
Não sou princípio - Nem fim! -Sou um ponto no caminho- Daquela linha partida- Que vinha de Deus para mim!
Giro Flé Flé Flá
Á Lá Minute
Jornal Linhas de Elvas
Nº 1.800 – 23 de Agosto de 1985
Giro Flé flé flá
“Da minha Janela à tua
Há lixo que chega e sobra
-- onde andam os varredores
Que não põem mão à obra?”
Faço esta brincadeira, a sós comigo, quando olho as janelas do Senhor Presidente da Câmara, que da minha casa avisto.
Outro dia, porém, pus-me a pensar:
Quando o largo está limpo – o que já tem acontecido – não deu para versejar…
Também não ocorreram glosas, nem li comentários de outrem, sobre a fartura de água de que dispomos já há dois anos e cuja carência, era costume deplorar, acusando a inércia da Câmara.
Também não me ocorreu indagar cuidadosamente com que critério irão ser distribuídas as casas dos bairros novos – e por quem – ou, a quem cabe, a inteira responsabilidade do atraso na sua atribuição a tanta gente inscrita, àvida dum mínimo de conforto…
Tem-me ocorrido, isso sim, e muitas vezes pensar – a sós comigo: - coisas da Câmara!
E… será só? Ao certo não sei – mas… Quando penso nos projectos que certo dia escutei da boca do actual Presidente, no começo do seu mandato, e os comparo com a obra realizada, não posso deixar de me interrogar:
-- Será só a Câmara a responsável pelo que não se fez?
--Teria sido possível ao Município navegar contra a maré?
A maré, de certa maneira, depende da lua que a determina…
Sendo embora a lua uma realidade distante, toda sombras, quartos, crescentes e minguantes, é na maré que se pesca, é na maré que se voga, se parte e volta ou dá à costa…
O lixo que os cantoneiros não limpam a horas, é também lixo nosso – mal acomodado – etc… etc… por aí fora !
Não gostaria de usar nos meus juízos a inocência com que alguém, certa manhã, colhia flores na placa ajardinada frente ao Palácio da Justiça – como, se ali fosse o Jardim da Celeste, giro-flé-flé-flá!
Não! Nem quero depois olhar para a placa “depenada” e dizer candidamente: - a culpa é do Presidente! – Continuando o meu caminho leve e feliz – giro-flé-flé-flá!
Não estou mandatada para acusar ou defender!
Estou consciente dos meus deveres como Munícipe e, como tal, quero aceitar a minha parte nos “custos”, se a tiver!
Maria José Rijo
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Não Fora!
Á Lá Minute
Jornal Linhas de Elvas
Nº 1.977 – 10 de Fevereiro de 1989
Quem foi que não pensou que o tapete simula em casa, a macieza e conforto da fresca e florida relva dos prados!
Quem foi que não pensou que na caverna, a pintura rupestre reproduzindo bichos, árvores e homens, trazia para o interior, a evocação do mundo exterior!
Quem foi que não pensou que já a tocha e a candeia “queriam” ser luar, estrela, sol, quanto mais o lustre ou o farol.
Não fora o pássaro voar e não a asa!
Não fora o peixe, e quem ousaria o mar!
Não fora a fera caçar, e não lembraria a arma que mata, como a guerra dilacera!
Não fora o ninho, e quem lembraria o lar!
Não fora a chuva, o vento, a tempestade, o raio e o trovão, e como nasceria a dança, o canto e a música!
Não fora o céu ser docel sobre rios, vales, rochedos, montanhas e lagos, e quais seriam as senhas da aventura e os sonhos de Liberdades!
“A arte e a ciência são os dois opostos que integram todos os fenómenos da natureza” convencem pela emoção, prendem pela imagem, pelo som, pela lógica.
MAS… quem foi que não pensou que em vez da vida – só a Vida!
Maria José Rijo
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Recado
.
Quando meus olhos
fecharem de vez
põe sobre o meu coração
um caroço de fruto
cereja, pêssego, ameixa!
qualquer um...
e deixa! - deixa que assim
a Vida iluda a morte
de tal sorte
que em cada Primavera
eu volte a respirar
com as folhas verdes
as flores cheirosas
e os frutos
pão de pássaros, insectos
e lagartas...
... e as borboletas
hão-de anunciar-me
quando as rosas florirem
é só isso que precisarei saber - sempre.
.
Maria José Rijo
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É bom lembrar
Jornal Linhas de Elvas
Nº – 2.474 – 16- Outubro -1998
Conversas Soltas
(A propósito de um livro do Dr. Martinho Botelho)
Quando a pastelaria “FLOR” encerrou fui das poucas pessoas que nada disse sobre o facto. No entanto, o seu desaparecimento, atingiu-me com um sentimento de perda irreparável.
Para alem da excelente doçaria, do acolhimento de patrões e empregados, do ambiente de família que lá se desfrutava, para mim, e julgo que para muitos outros, a pastelaria “FLOR” era, também, a imagem de uma certa época em que o convívio não se alimentava de “copos” nas noitadas mas, da boa cavaqueira à luz do dia, com chazinho ou capilé e salsa parrilha, para não secar a garganta.
Estou a pensar naquele tempo
José Tello era um homem de personalidade forte, leal aos seus amigos e de convicções seguras, era um homem ilustre, senhor de uma invejável cultura e sabedoria.
Muitas vezes me falou de António Sardinha, que muito admirava, de quem foi amigo verdadeiro ao ponto de ter sido ele quem o amortalhou, segundo me contou sua mulher e minha querida amiga S.ª Dona Maria Vitória.
Não era demais que em Elvas se fizesse uma edição de muitos dos seus escritos que dormem esquecidos em arquivos de jornais.
Esta ideia foi lançada aqui, no Linhas de Elvas, pelo Senhor Dr. Martinho Botelho ainda em vida de José Tello, e sei que lhe foi grata.
Ao ler um livro (Apontamentos) sobre Campo Maior da autoria do Martinho Botelho - em edição do autor datada de 1996 - livro que durante algum tempo tive à cabeceira e que de vez em quando ainda vou relendo, sem quase dar por isso, associei os dois .
Homens sábios, a quem, por vezes, as suas próprias gentes não pagam como eles merecem a dedicação e a generosidade com que, quase esbanjando, partilham conhecimentos que no estudo e na inteligente observação e investigação foram acumulando sem mais pedirem do que a consolação intima de cumprir um dever. Ensinar, dar a conhecer, fazer amar as terras que lhe são berço é o objectivo que os guia.
Confesso que gosto “de revisitar”, (como diz um grande amigo meu) de vez em quando, trabalhos como este do Dr. Martinho Botelho que num estilo coloquial, como quem conversa com os seus amigos, desbobina e liga histórias de pessoas, acontecimentos, circunstâncias, que no seu conjunto nos fazem descobrir as raízes dessa terra castiça e bonita que só quase é conhecida pela habilidade criativa com que a suas gente a veste de flores por altura das festas do povo.
Homens destes, são memória viva, são história, são corações pesados de conhecimento a pulsar numa entrega abnegada aos outros homens. São os beneméritos da alma. Quase se escondem. Quase pedem perdão.do valor que têm e vão passando quase ignorados. Depois, quando um dia partem, então, pelo vazio que a sua ausência cria todos se apercebem de como foram notáveis e generosas as suas existências.
Com a consciência de que todas as horas de esquecimento podem ser por nós transformadas em horas de justiça; a dois anos de distância da sua publicação, cabe-me
pela negligencia, pedir desculpa ao autor de “Apontamentos” por só agora expressar publicamente o meu apreço e gratidão pelos ensinamentos que do seu trabalho recolhi.
.Obrigada. Muito obrigada.
Maria José Rijo
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Rendas e Florinhas
Conversas Soltas
Jornal Linhas de Elvas
Nº 2.304 – 16 de Junho de 1995
Até porque ninguém é bom juiz em causa própria. Mas, que de anjos a demónios tudo se lhes tem chamado – é indesmentível.
Que, sobre elas, poetas e pensadores têm escrito frases belas ou contundentes que, de cor, se vão repetindo de gerações em gerações é também indesmentível.
“Se nós somos os pais dos seus filhos, elas são as mães dos nossos melhores pensamentos” – teria dito Chateaubriand - esse mestre da língua francesa que muito influenciou o romantismo europeu.
Mas, já a Napoleão – tenho ouvido atribuir: “Mulheres?! – seres de ancas largas, cabelos compridos e ideias curtas”.
Atendendo a que ele foi capaz de repudiar a “sua” Josefina e vivia no narcisismo dos seus gloriosos feitos militares – pode aceitar-se a mordaz definição como pertencendo-lhe…
Voltaire – escritor que cultivou desde a tragédia à epopeia e ao romance ergueu a sua voz (no séc. XVIII) para afirmar:
“A sociedade depende das mulheres. Os povos que têm a desgraça de as escravizar, são miseráveis”.
E, no seu respeito pela sensibilidade feminina, aduzia: “Todos os raciocínios do homem não valem um só sentimento de mulher”.
Que filosofia de vida, que mães, que irmãs, que amigas, que amadas, teriam tido estes homens que de formas tão diversas evocam “mulheres” – como sendo: - “a mulher” que padronizam nos seus conceitos – era interessante investigar.
Tanto mais que tudo parece filiar-se numa conclusão assente de que, mulher e homem pouco ou nada teriam em comum.
“As mulheres que amam perdoam mais facilmente as grandes indescrições do que as pequenas infidelidades”.
Bem entendido em psicologia se julgava que também afirmou:
Victor Hugo – poeta, escritor, dramaturgo, figura do romantismo – “vulto sagrado” da literatura francesa – enfatizou:
“Vós que sofreis porque amais. Amai mais ainda. Morrer de amor é viver dele”
E, Lessing, escritor alemão do séc. XVIII, rendido à beleza feminina não afirmou que “a mulher é a obra mais perfeita do universo”
O autor da “Comédie Humaine” – Honoré de Balzac – Romancista que viveu apenas para a criação literária escreveu:
“A mulher é o ser mais perfeito entre as criaturas humanas, é uma criação transitória entre o homem e o anjo”.
Em contrapartida alguém houve que denunciou:
“As mulheres que têm por único merecimento a beleza, são semelhantes aos pastéis quentes que sabem mal quando esfriam”.
Porém, Rosseau – escritor e pensador francês que pela sua sensibilidade e imaginação abriu o caminho ao romantismo e cujas teorias sociais tiveram grande influência sobre o liberalismo democrático, assim perorava:…”A primeira e a mais importante qualidade de uma mulher é a doçura. Feita para obedecer a um ser tão imperfeito como é o homem, quase sempre cheio de vícios e sempre de defeitos a primeira coisa que tem a fazer é aprender a sofrer tudo, até a injustiça, e a suportar todos os erros do marido sem se queixar”.
Convenhamos que, se outro mérito não tivessem estas palavras – deles se deduz sem margem para dúvidas a posição da mulher na sociedade, ainda nos fins do séc. XVIII.
No séc. XIX – o nosso “grande” Herculano – escritor, pensador, criador do romance histórico português na sua exemplar linguagem vernácula, escreveu: “Examina bem a consciência e diz-me : qual é para os corações puros e nobres o motivo imenso irresistível, das ambições, do poder, da abastança do renome?
É uma só mulher: é esse o termo final de todos os nossos sonhos, de todas as nossas esperanças, de todos os nossos desejos”.
Pensando assim dava razão a Pailleron quando afirmara:
“É pela mulher que a sociedade julga o homem” – Enfim! – Parece que destas velhas curiosidades se pode inferir que, falando de mulheres é de si próprios que os homens falam.
Talvez que, por isso, nenhuma destas citações ou a soma de todas elas nos leve a qualquer conclusão sobre a mulher.
Aliás, nos tempos de agora, estes conceitos terão até, porventura, perdido o sentido e a oportunidade. Mulheres e homens, hoje, vestem as mesmas roupas, frequentam os mesmos locais, tomam as mesmas bebidas, fumam os mesmos cigarros fruem dos mesmos empregos e liberdades e, pelo menos na aparência perderam o tal toque de mistério que as épocas românticas tanto exploraram para conversas de salão, ditos de espírito ou inteligentes observações e, parecem aceitar-se como iguais.
Porém… quando penso na roupa interior de tecido às florinhas rosas e azuis, da idosa senhora, gorda e deformada que entre gemidos chegara “às urgências” amparada por muletas e sob o fato vulgar e ordinário usava um corpetinho de rendas e bordados a vestir-lhe os seios murchos como flores mortas…
Quando senti no meu coração a comovida ternura dessa pueril garridice… então, não fora o “Senão” escusado e cruel eu teria estado por inteiro com o que, no tempo de Zolla, disse o escritor Paul Marguerite – “ Até mesmo na mulher mais honesta reina um instinto de coqueteria refinada e perversa”
Só que eu penso que perverso é querer equiparar um nó de gravata com rendas e florinhas… e, é esse o “senão” ?
Maria José Rijo
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Exposição PERCURSO
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Agradecimento...
Aqui estão as vossas flores
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... Lá e Cá...
Jornal Linhas de Elvas
Nº 2.370 – 4-Outubro -1996
Conversas Soltas
Quando parece que já nada nos pode surpreender surge, ainda e sempre qualquer coisa que de tão inesperada nos enche de pasmo. Aquela bizarra história de uma criança de seis anos estar suspensa das aulas, do seu “Jardim-de-infância”, sob a acusação de assédio sexual a uma sua companheira de brinquedos – é um achado!
Até porque o “crime” se materializou com um beijo na bochecha de outra criança para além do espanto, também nos cabe o direito de ficarmos vivamente preocupados.
Não com a miudagem – claro! – Mas com os adultos de países ditos civilizados – mais! – De civilizações avançadas – que nos oferecem estes pruridos de inesperadas purezas.
Pensam-se, amadurecem-se e redigem-se normas internacionalmente aceites – os direitos das crianças. Discutem-se nos mais sofisticados areópagos das sociedades para seres tão frágeis, desprotegidos e indefesos como são os humanos na primeira infância...
Depois uma senhora directora de um infantário – uma mulher – decide e muitos aprovam que aquele “bisganho” de olhinho azul e óculos a escorregar pela ponta do nariz (a televisão forneceu a imagem) fosse excluído de entre a sua turma apenas por um beijo.
Por estas e por outras que tais, cada vez me sinto melhor na minha pele de portuguesa.
Cá pelos nossos lados nenhum bestunto ousaria tão peregrina decisão.
Por cá, dizia-se com toda a bonomia “espinho que nasce para picar, nasce logo com o pico” – se se quisesse arvorar malícia. Porque a mãe da menina, desvanecida, alegrava-se ao ver que a filha tinha cativado um amigo e, a mãe do “meliante” julgaria por sua vez que o filho era sociável e meigo e estava feliz na escola como se estivesse em casa.
Ambas as mães concluiriam que era saudáveis as crianças criarem amigos desde a escola, que isso ajuda na formação do carácter, estimula o desejo de aprender, combate a timidez e dá mais segurança à garotada.
Depois, ao jantar, à mesa contariam o episódio em família.
Os irmãos mais velhos, se os houvesse, haviam de rir e de os arreliar dizendo que eram namorados.
E, fosse quem fosse que fixasse no episódio alguma atenção, havia de o fazer com a tolerância que sempre nos invade o coração quando se pensa ou diz essa palavra mágica – criança.
Por isso, juro! – Penso que posso jurar – não passaria pela cabeça de ninguém da nossa gente envergonhar ou emporcalhar a inocência de qualquer criança por um gesto que, para nós, só tem uma leitura: ternura.
Até pensei que a sábia ou... sabida directora para entender que há outras maneiras de estar na vida devia escutar, como terapia à portuguesa, o Carlos do Carmo a cantar “os putos”.
Ando com um certo pendor para concluir que um dos maiores males destes nossos preclaros tempos é tanta gente saber tanto de tanto coisa que, sabendo demais se esquecem de escutar o coração.
Ás vezes afogado em normas e deduções deixam passar o tempo e esquecem-se de viver.
Razões de sobra vou tendo para repetir: Não me impinjam mais teoria de mais isto ou mais aquilo!
Deixem-me a alma livre e solta e o coração aberto para me comover com a beleza das gotas de orvalho sobre uma flor qualquer que ela seja – sem perturbações de espírito ou eróticos conflitos interiores só porque as flores têm androceu e gineceu!
Maria José Rijo
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JUNQUILHO
Em qualquer solo
mesmo pobre
Meio à sombra
meio escondido
Viceja e cresce o Junquilho!
Simboliza a Amizade
Assim, de si se esquece
E, sem exigências, floresce.
Mas, no perfume?
São a pura extravagância
na fragrância que exalam
Cheiram, cheiram…
como quem fala e não se cala
E, não dão por tal!
Se, nem é por mal!...
É por generosidade
que sufocam, sem pensar
o anseio, mesmo ténue
de qualquer privacidade
onde suspire outro odor,
que queira viver ao redor
Pasmados e ofendidos
quando preteridos
não se tocam que
de tanto querer – sufocam!
Maria José Rijo
LIVRO DAS FLORES
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Para a DOLORES

a Malva do
Portão de Juromenha